sexta-feira, 20 de maio de 2011

Passatempo de escritor

    Você não deve ter ideia de quanto de sua personalidade deixa transparecer por seu jeito de se vestir, do que carrega e até mesmo do seu jeito de se mover.
    Um dos meus passatempos preferidos de quando estou andando de trem ou na rua sozinha é observar as pessoas e ficar tentando adivinhar o máximo que posso sobre elas. Você pode dizer que estou julgando pessoas antes mesmo de conhecê-las e que eu devo errar sempre, eu te respondo que eu não tento julgar ninguém, mas sim descobrir pequenas coisas sobre sua vida como quantos anos ela tem, o que faz da vida e o porque está ali; já a respeito de eu errar muito, eu te garanto que eu devo errar mesmo, mas essa é parte da brincadeira, às vezes eu me empolgo e começo a pirar em cima das poucas observações que faço e invento a história da vida de quem eu observo, e, nesses momentos, eu te garanto que é muito raro eu acertar alguma coisa.
    Se você nunca nem pensou em fazer algo parecido e não tem ideia do que pode ser um sinal sobre algo da vida de alguém eu te falo, existem três tipos de sinais: o primeiro tipo é o explícito, é aquele que está completamente óbvio, como uma aliança que mostra que a pessoa é casada; o segundo tipo é o oculto, é aquele que pode significar algo ou não; o terceiro tipo é o mais duvidoso, o decorrente, é aquele que você meio que inventa em cima de alguma coisa.
    Normalmente se acha pelo menos um sinal de cada tipo e com todas as observações e suposições eu tenho uma boa história de vida ou um personagem que às vezes é usado em uma história que eu faço.
     Então, da próxima vez que você estiver sozinho em algum lugar cheio de gente lembre-se dessa brincadeira e você pode até dar umas boas risadas com o que inventa.

sábado, 7 de maio de 2011

Mãe

    Calma mãe,eu já to acordando.São 9h30 eu posso acorda até as 10h que eu consigo faze a lição de casa.Eu já levantei. To indo. Eu to na sala,já to chegando. Mãe,eu já to aqui para de berra. Me passa o leite. O leite mãe, ta surda? A colher ta na sua frente. Eu também te amo. Ta,eu to indo.
    Já to saindo. Não exagera,ninguém fica duas horas no banho. Fico não. Ah mãe, não foi nem meia hora. Já to me arrumando. Calma, mãe ainda tem uma hora pra eu sair. Ta, eu te ajudo. Ta ótimo. Sério. Sério. Sério mesmo. O da direita. Esse mesmo. Disponha. To saindo. Tchau mãe. Te amo.
    Cheguei. Podemos ver um episódio e depois a gente ve isso? Só um, eu juro. Cadê o azeite? Esse não, o chique. Valeu. Mãe, é mocinha de seriado americano, você queria o que? Eu sei que ela é burra, mas da pra você desligar o botão critico por 5 minutos? Podemos ver mais um? Por favooooooooooooor? Ta bom.
    To indo deita. Arruma a minha cama? Brigada. Já escovei. Beijinho? Eba! Te amo. Boa noite. Ai, essa minha mãe birutinha.
       

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Meu livro, minha obrigação, minha descoberta

    Um livro de capa amarela, minha obrigação de escola, um livro de crônicas que me acompanhou em minhas viagens de trem.
    Se você não sabe o que é crônica, eu te explico: é um gênero literário que brinca e filosofa sobre as coisas do dia a dia, um gênero que não aparenta ter nenhuma importância e você só irá descobrir seus encantos ao viajar por suas linhas, é um gênero tímido e impertinente - como eu já disse na minha crônica "Crônica".
    Existem muitos estilos de crônica, como o estilo poético de "O amor acaba" de Paulo Mendes Campos e o estilo debochado e cômico de "Os namorados da filha" de Moacyr Scliar. Eu, obviamente, adoro crônicas engraçadas, afinal é o estilo mais fácil de se gostar, mas também adoro uma crônica mais poética ou filosófica que mexe com as entranhas do meu cérebro.
    Esse livro era, no começo, uma chata obrigação que eu fazia só pra passar de ano, mas ao decorrer da leitura  descobri a maravilha que pode ser uma crônica e, algumas, até mudaram drasticamente minhas viagens no trem, como a "Grande Edgar" com seu humor simples e com uma situação que todos já passaram alguma vez, "Binóculo" com a qual me identifiquei com a curiosidade do personagem principal pela vida dos outros, a "Bar ruim é lindo, bicho" que me lembra dos bares que vou com os amigos comunistas e intelectuais da minha mãe, "Homem ou mulher?" com sua discussão de auto-afirmação de sexo e felicidade e, por último mas não menos importante, a "A descoberta do mundo" que mostra compreensiva, sutil e inocentemente as maiores descobertas e dúvidas da vida.
    Em compensação no livro também tinha crônicas chatas, tais como, "O campeonato dos defuntos" que, embora o título seja um grande convite para a leitura, é um tanto sem graça e meio sem sentido; e "A invenção da laranja" que trata os leitores como bobos e tem um final meio ridículo.
    No fim das contas esse livro me ensinou a diferenciar e escrever tipos e estilos de crônicas diferentes, mas principalmente a ler e me maravilhar com crônicas, que é um gênero que eu tenho uma certa birra desde sempre.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Conversa de um só

    - Diga-me, para que tanto drama?
    A fala veio da mulher sentada ao meu lado, ela é bem magra, usa um vestido marrom com algumas flores rosa e uma sandália marrom, tem os cabelos castanho claro presos num coque alto e tem os olhos fixos no chão do trem,por traz dos óculos.
    - Minha vida é muito dura.
    Eu a fito a procura de um celular ou de um fone de ouvido que poderia estar conectado a um celular. Não há nenhum fone ou celular.
    - Dura por que minha cara?
    Olho a minha volta e percebo que não sou a única a encara-la, mas ninguém no vagão parece ter alguma ideia de com quem ela estava falando.
    - Eu não consigo fazer nada direito - ela continua
    - O que é isso? Você que é tão prestativa? Seu chefe não lhe falou ontem como você era uma ótima secretária?
    Sim, ela estava falando sozinha, mas por que tão alto? Por que aqui?
    - Ele deve dizer isso pra todas.
    Quem seria esse chefe que ela tanto fala? Por que ela estaria tão triste? Por que ela está sendo tão dura consigo mesma?
    - O que é isso? Você é tão boa.
    - Não sou, não! Eu sou muito estabanada! - respondeu triste para si mesma.
    Reviro minha cabeça à procura de um jeito de ajudá-la.
    - Pare com isso! Perceba que você é ótima e dê um sorriso!
    Não consigo pensar em nada para ajudá-la, quem sabe ela não se convença que é boa?
    - No que eu sou boa? Não adianta mentir, eu sei que você não me acha boa em nada.
    E se eu perguntasse o porquê de ela estar falando sozinha?
    - Pense assim: Se você não fosse boa, você estaria trabalhando por sete anos consecutivos no mesmo lugar?
    Não posso fazê-lo, talvez se eu perguntar ela fique ainda mais triste.
    - Talvez ele esteja procurando outra e irá me despedir em alguns dias.
    Mas eu estou tão curiosa... Será que eu tenho coragem suficiente para perguntar?
    - Pare de ser tão paranoica! Ele não vai despedi-la!
    Eu não tenho coragem, mas eu estou tão curiosa...
    Em meio à minha discussão interna, ouço o motorista avisar que tínhamos chegado na estação, fui embora deixando a mulher sozinha com sua conversa melancólica e com a eterna pergunta: Por que ela estava falando sozinha?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Complexo de Sardinha

    Imagine uma lata de sardinha com todas as sardinhas meio apertadas dentro, então pense que o fabricante resolveu que o mesmo tanto de sardinhas teria que caber num pote com o comprimento de pouco mais da metade do outro. Quanto sobra de espaço para cada sardinha na lata? Agora troque as sardinhas por pessoas e a segunda lata por um trem de oito vagões. Pronto, você tem uma boa idéia de qual é o interior do trem novo da Linha Diamante.
    Você deve achar que eu estou exagerando, mas eu juro que não estou! E de quem foi essa idéia tosca e sádica de apertar mais o que já era incrivelmente apertado? Se foi você, que está lendo esta crônica, que teve a idéia de jerico de diminuir o número de vagões de 12 para 8, faça-me um favor: levante dessa cadeira agora, fique na frente de uma parede e bata sua cabeça nela algumas vezes, afinal, se você acha que faz algum sentido esmagar milhares de pessoas diariamente, você tem algum problema sério e, quem sabe, se você bater a cabeça várias vezes na parede arrume alguma coisa nessa sua cabecinha.
    Para não esculachar tanto o trem novo, eu admito que há coisas nele que são melhores que no trem velho: os assentos parecem mais confortáveis (embora eu não tenha conseguido sentar neles ainda), têm ar-condicionado (então ninguém corre o risco de morrer sufocado) e há mais lugares para se segurar. O único problema desses lugares de se segurar é que eles são no teto e eu, que normalmente não chego nem no pescoço das outras pessoas no trem, não consigo alcançá-los nem com os braços esticados, então eu fico na ponta do pé feito uma bailarina e com as pontas dos dedos encostados no "seguradouro", mas isso me faz ficar sem equilíbrio nenhum e, como o trem novo tem uma mania irritante de dar paradas bruscas, eu vivo caindo e, cada vez que caio, levo uns três comigo.
    Não fique muito preocupado achando que eu fico muito esmagada todo santo dia, pois eu tenho uma solução muito simples: na hora do rush eu não o pego. E eu não sou a única que faz isso, pois depois que ele sai boa parte das pessoas que não estavam no alcance dele não vão atrás e ficam esperando um trem velho.
    Então, se você anda numa linha que costuma ser cheia e, principalmente se você tem o meu tamanho, eu te dou um conselho: não vá no trem novo porque eu te garanto que não vai ser uma experiência muito confortável.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Uma escada, uma estátua e um dedo

    No vale do Anhangabaú, uma escada, uma estátua, um dedo.
    Uma escada no centro de São Paulo, me levando do vale ao teatro. Nem pequena nem grande, nem média nem mais ou menos, no ponto para ter na ponta uma estátua.
   Nessa escada passava uma fila de crianças, todas de uniforme,todas conversando, rindo e comentando sobre a estranha estátua.
    Uma estátua dramática. Ele está se matando? Ele está morrendo? Sofrendo? Eu não sei, só sei que um dedo está esticado.
    Um dedo, sortudo? Ou da sorte? Dizem que se esfregar a mão neste dedo terá sorte, ou muita sorte.
    Sabendo da lenda e como numa brincadeira, todas as crianças que passavam esfregavam a mão no dedo, algumas com esperança, outras só de brincadeira.
    E, agora, o dedo brilha desgastado de tanta sorte que deu.

(Crônica escrita em 2008 para o jornal da sala)

Colorindo a estação

    Uma garota saltitando pela estação atrás de um trem, seus ruivos cabelos esvoaçados ao vento pareciam fogo com o reflexo do sol. Ela me chamou atenção não só pelo contraste da pele de Branca de Neve com o cabelo, mas também pelas roupas coloridas que usava. A camisa listrada de um rosa e um amarelo bem claros junto com o seu short azul-bebê lhe davam um ar levemente infantil, mas seu objeto mais inusitado era a mochila, laranja meio rosada com florzinhas verde marca-texto que balançava a cada pulinho que ela dava, que me fez rir por alguns segundos.
    Esta garota foi saltitando para dentro do trem, foi embora junto com ele para seu mundo colorido e desconhecido, pela cinza plataforma que há pouco a garota coloria, me deixando só nessa escura estação.